29/06/2011 14:33

A (IN) EFICÁCIA DO RITO SUMÁRIO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

 

 

 A (IN) EFICÁCIA DO RITO SUMÁRIO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Antônio Marcos Batista Silva
Advogado - Pós-Graduando em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG)



Processo Civil
DO PROCESSO E DO PROCEDIMENTO

 

Em muitas ocasiões, ao causídico, em atenção aos interesses de seu constituinte, é imputado o ônus de escolher qual o rito processual seguir, levando-se em conta as previsões normativas, que obrigam o curso em determinadas situações, além de questões práticas, como a necessidade de celeridade no provimento e, questões financeiras, que aludem às possibilidades econômicas do seu cliente.

Quando abordamos o rito sumário mister ressaltarmos tratar-se de curso legal obrigatório, pois, nas hipóteses de cabimento, sequer ao magistrado é permitido afastar sua aplicabilidade, a não ser como exceção nos casos expressos em nosso diploma processual.

Com a eclosão dos Juizados Especiais no âmbito do Judiciário brasileiro, em sede do direito civil, o rito sumário, aparentemente perdeu parcela de sua importância, vez que aos novos órgãos judicantes foi atribuída competência sobre porção substancial dos casos por ele abarcados.

Esta minoração na importância é deveras aparente, pois o rito sumaríssimo aplicado nos juizados é apenas facultado à parte como opção ao rito sumário, desta sorte, não excluindo este último.

Ademais, a Lei n.º 9.099 de 26 de setembro de 1.995 exclui do âmbito de apreciação dos juizados, determinadas pessoas e entidades, as quais não poderão se beneficiar de sua economia e celeridade. Neste contexto, revigora-se a utilidade do procedimento sumário, que continua abarcando as causas de menor valor e complexidade para quem não possa demandar e contra quem não possa ser demandado nos juizados especiais.

Vencida a questão da importância e aplicabilidade do rito sumário, devemos ponderar quanto à sua efetividade no processo civil brasileiro.

Em não raras ocasiões o militante se depara à conversão arbitrária entre os ritos sumário e ordinário, pela simples alegação imanada do magistrado quanto à inexistência de pauta no juízo para seguir o procedimento previsto no Art. 275 e seguintes do Código de Processo Civil, dentre outras justificativas nefastas.

Resta sabermos se a conversão pelo referido motivo encontra abrigo na esfera de discricionariedade que possui a magistratura, em consonância ao texto legal e principalmente aos princípios que norteiam (ou ao menos deveriam nortear) o ordenamento jurídico pátrio. Além disso, também devemos asseverar quanto à existência de prejuízos processuais para as partes em juízo.

Nosso diploma processual trata das hipóteses de conversão do rito sumário através do art. 277, parágrafos 4º e 5º. No primeiro caso o legislador apresenta possibilidade objetiva de conversão do rito, onde o magistrado deverá verificar se o valor da causa e a natureza da demanda se amoldam com perfeição às disposições do art. 275. 

Por outro lado, na segunda hipótese, de apreciação subjetiva, descaracteriza-se o procedimento quando o julgador entender necessária a produção de prova técnica de maior complexidade, ocasião em que os autos também serão remetidos para as vias ordinárias.

Destarte, entende-se que as hipóteses do art. 277 são taxativas, inexistindo margem de discricionariedade para a apreciação judicial, pois, em consonância ao balizado mestre Humberto Theodoro Júnior, “A forma de procedimento não é posta no interesse das partes, mas da justiça”.
 
O rito sumário tem por finalidade atender, principalmente, aos princípios da celeridade e da economia processual. A simplificação do procedimento gera dispêndio financeiro significativamente menor à administração da justiça, através da concentração dos atos processuais, bem como maior celeridade nas decisões e, consequentemente, em um médio prazo, contribui para o descongestinamento do judiciário.

Por outro lado, deve-se ressaltar que a conversão arbitrária dos ritos, além de frustrar os interesses da parte, que pretende receber um provimento judicial mais célere, também lhe ocasiona efetivos prejuízos processuais.

Por conseguinte, o art. 276 do CPC obriga o autor a apresentar já na peça vestibular o rol de testemunhas e os eventuais quesitos em caso de solicitação de perícia, além da indicação de eventual assistente técnico.

Ocorrendo a conversão arbitrária para o rito ordinário, o autor perderá uma vantagem importante na dinâmica processual, que consiste no “elemento surpresa”. Vez que a defesa conhece de antemão todas as testemunhas arroladas e os quesitos para prova pericial, a estratégia elaborada pelo autor da demanda pode ser perfeitamente identificada e até mesmo neutralizada já na peça de defesa, desnecessariamente, pois, sendo caso de aplicação do rito ordinário, a parte poderia optar por apresentar tais requisitos no momento oportuno.

Quanto ao entendimento jurisprudencial, a quase totalidade de nossas cortes se manifesta desfavorável à conversão do rito sumário fora das hipóteses legais, confirmando assim o discernimento predominante na doutrina. 

Superada a questão de conversibilidade entre os ritos, devemos ponderar quanto à eficácia do procedimento no caso concreto.

Pelos dizeres fabulosos do CPC, um processo sob os auspícios do rito sumário, sem a determinação de perícia e não tendo por sujeito passivo a Fazenda Pública, dificilmente poderia romper a barreira dos 90 (noventa) dias, senão vejamos: a) a peça vestibular já vem reforçada pelo rol de testemunhas b) ao despachar a inicial o magistrado deve designar audiência de conciliação para o prazo máximo de 30 (trinta) dias; c) na própria audiência de conciliação o magistrado deve apreciar a impugnação ao valor da causa ou a controvérsia sobre a natureza da demanda; d) ainda na conciliação o réu deve oferecer sua resposta, acompanhada por documentos e rol de testemunhas; e) em seguida, havendo necessidade de produção de prova oral, o magistrado deverá designar audiência de instrução e julgamento para data não excedente a 30 (trinta) dias; f) finda a instrução, sendo os debates orais, o magistrado deve proferir sentença na própria audiência.

Seria perfeito, não fosse a tortuosa realidade prática forense. Mesmo acatando o procedimento sob o rito sumário, como discorremos acima, pois em muitas ocasiões até mesmo isso é frustrado, a designação de audiências normalmente segue a pauta geral da secretaria, para prazo muito superior aos miraculosos 30 (trinta) dias legalmente prescritos.

Na atualidade nos deparamos a duas falácias amplamente disseminadas no âmbito jurídico, que ganham força em escala exponencial e, as quais devem ser rechaçadas com toda veemência. A primeira se refere à existência de “prazos impróprios” em relação aos magistrados. Em se tratando de prazos processuais não se deve conceder exceções, sob pena de completo desmoronamento do sistema. Ou são cumpridos, via de regra, ou devemos acatar a realidade, reconhecer nossa ineficiência (enquanto estrutura pública) e ampliar os prazos de forma a torná-los ao menos razoáveis, para que possam ser efetivamente cumpridos e, para que as partes tenham maior precisão no dimensionamento temporal do processo.

A segunda se refere à preeminente necessidade de reformas em nosso direito processual, a fim de alcançarmos a inatingível celeridade. Nos últimos tempos passamos por várias reformas em sede de processo civil, e atualmente tramita no Congresso Nacional mais um emaranhando de reformas. Até mesmo a Constituição Federal foi de certa modo “reformada” em busca de mais dinamismo para o judiciário brasileiro, através da EC 45/2004. Certamente, as normas e institutos jurídicos devem ser constantemente aprimorados, a fim de ganharem força e se amoldarem à realidade fática e social.

Todavia, deve-se ponderar, sem demagogias, as normas processuais brasileiras, principalmente na ceara cível, não necessitam efetivamente de reformas, mas, sobretudo, carecem de efetividade e aplicação.

O investimento em infra-estrutura, tecnologia e pessoal em favor do Poder Judiciário brasileiro assume papel muito mais relevante para garantir-se o devido acesso à justiça que essa temerosa onda reformista. O texto não aplicado torna-se letra morta e de nada adianta à resolução de nossos problemas. Carecemos de magistrados, servidores, prédios, criação de novas varas e, acima de tudo, bom senso e boa governança.

Basta nos embasarmos no exemplo acima referido, quanto às vicissitudes do rito sumário, o qual consiste em instrumento virtualmente dotado da maior celeridade, que, por falta de condições práticas em nossos juízos, transforma-se em uma verdadeira piada e causa de frustração para os profissionais jurídicos.

Publicação: Revista Jurídica CONSULEX. Ano XV - N.º 348 - 15/07/2011 - Pgs. 64/65.

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